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Fernanda Takai reinventa Nara Leão

Por Daniel Brazil - 26/03/2008

Pato Fu, banda mineira que mexe com os corações juvenis há mais de 15 anos, sempre chamou atenção pela sonoridade diferente, pelo bom guitarrista John Ulhoa e pela voz miúda de Fernanda Takai. Como são raras as bandas de rock brasileiro com um vocal feminino, surgiram imediatas comparações com a única outra grande banda da nossa história com uma mulher na linha de frente: os Mutantes.

A comparação pegou, principalmente depois que estouraram com uma versão de Ando Meio Desligado, encomendada para uma trilha de novela. As letras surrealistas e bem humoradas da banda ajudaram a consolidar a imagem de “novos mutantes”. E quando Fernanda Takai anunciou um projeto individual, teve gente que esperou um lance à la Rita Lee, um início de carreira-solo.

A surpresa é que o coração de Fernanda se revelou em favor de outra musa, mutante de fato, que circulou pela bossa nova, samba, canção de protesto, tropicalismo, balada romântica e canção infantil, imprimindo em tudo sua marca pessoal: Nara Leão.

A partir de uma sugestão do produtor Nelson Motta, que detectou a semelhança entre as duas, o projeto de regravar músicas do repertório de Nara Leão foi sendo cultivado, de forma mineiramente sigilosa. Não que Fernanda seja mineira (é amapaense!), mas devagarinho, escolhendo músicas de diversas fases, mudando arranjos e abordagens, cometendo pequenas heresias (Nara adorava fazer isso!), acabou por incorporar o espírito da musa pelo lado mais surpreendente.

Onde Brilham os Olhos Seus (Do Brasil Música/Tratore, 2007) é um disco coeso, gostoso de ouvir, com arranjos leves e modernos, que muitas vezes subvertem as versões conhecidas. Um samba vira fox-trote, uma canção dolorida do Chico é cantada de forma brejeira, um clássico de Roberto Carlos ganha arranjo todo moderninho.

Tá tudo lá, mas tá tudo diferente: Zé Kéti (Diz Que Fui Por Aí), Tom Jobim (Insensatez), Nelson Cavaquinho (Luz Negra), Ary Barroso (Canta, Maria), Joubert de Carvalho (Ta-hi), Caetano & Gil (Lindonéia), Chico Buarque (Com Açúcar, com Afeto), Robertinho de Recife (Seja o Meu Céu), além das versões sapecas de My Foolish Heart e Trevo de Quatro Folhas.

O disco teve a produção e os arranjos de John, que contou com os integrantes do Pato Fu e uma canja especial de Roberto Menescau, outro fã assumido de Nara. A primeira audição provoca estranheza, a segunda, curiosidade. A terceira vira vício, dá vontade de ouvir de novo. É exatamente como funcionava com Nara Leão, dona de voz delicada e de pequena extensão, que conseguia dar um toque de originalidade nas canções que regravava, tornando-as suas. Fernanda Takai chegou lá, com méritos.