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Evandro Camperom: um dos melhores lançamentos do ano

Por Daniel Brazil - 05/11/2014

No tempo das rotativas, da velha imprensa de papel, quando surgia uma notícia bombástica de última hora, o editor (ou diretor de redação, ou até o dono do jornal) entrava correndo na gráfica dizendo “parem as máquinas!”. O velho jornal impresso ainda resiste, mas a expressão parece ter saído de moda. Apesar disso, foi o que me ocorreu quando ouvi o recém lançado CD de Evandro Camperom, Ferramenta Quente. Parem as máquinas! E parem os corações, suspendam os drinques, interrompam as manifestações!

O primeiro CD, Algazarra, lançado em 2009, apresentou ao mundo fonográfico o consistente trabalho de Camperon, calcado em melodias firmes, bons arranjos e belas letras, const
ruídas com apuro e invenção. Comentamos aqui, na RMB: http://www.revistamusicabrasileira.com.br/especial/algazarra-de-evandro-....

Ferramenta Quente é continuidade natural, mais elétrico, mais pesado, e ainda mais contundente. A banda de apoio está afiadíssima, com destaque para a guitarra de Caio Andrade. As participações de Junio Barreto e do Camperon-pai nos vocais de duas faixas, em dueto com Evandro, acrescentam sabor à sonoridade das palavras. Contudo, por mais elogios que façamos à música, vem das letras o impacto maior.
Evandro é um pernambucano-paulista que faz marchetaria com a linguagem poética. Tritura, corta em pedacinhos e recompõe de forma inusitada significantes e significados. Brinca com citações de clássicos da música popular, acrescentando nuances surpreendentes. “Meu verbo é o reverso do jogo”, ele anuncia, na faixa de abertura. Ao retocar a tradição, recompõe a modernidade. Em Samba pra Ela, parceria com André Bedurê, faz uma bricolagem de versos arquetípicos (o samba que fiz pra ela não tem flor nem violão, não tem cravo na lapela, nem estrelas sobre o chão, não tem laço nem tem fita, não diz “cabrocha bonita, eu te dou meu coração”) para revelar no final um inusitado contraponto buarquiano:

O descompassado samba - túmulo da ginga
Que pra ela eu fiz carece de alegria
Chega a mudar de calçada
Quando aparece um tambor
Nem aparenta ser uma canção de amor.

Em boa parte das canções não há citação, mas sobra invenção. A pompa do primeiro verso de O Último Cantor (“Teu corpo é um continente atado ao tempo”) é desmontada com o final tragicômico (“Um rádio abandonado num andor/ toca baixinho uma canção de amor/ um cão urina sobre o som do rádio/ e morre afogado o último cantor”.) E faíscam diamantes aqui e ali, a cada audição, nas 11 faixas do CD.

É animador ver um jovem músico trabalhando as letras com competência, nesses tempos de tantas bobagens mal articuladas. E o prazer aumenta quando estas letras caminham junto com boa música, bem tocada e cantada. Um dos melhores lançamentos do ano, confira. O CD pode ser baixado gratuitamente, com autorização do autor, aqui: http://www.amusicoteca.com.br/?p=9653.