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Delcio Carvalho: 55 anos na estrada

Por Gerdal José de Paula - 04/09/2013

Na mesma noite em que Silas de Oliveira faleceu, em 20 de maio de 1972, Delcio Carvalho recebeu de outra figura de vulto do Império Serrano, a hoje nonagenária Dona Ivone Lara, uma melodia a que poria letra em uma viagem de ônibus. Primeira parceria de ambos, o samba "Alvorecer" abriu caminho para um dos mais expressivos percursos autorais feitos em dupla na MPB, também pautado na constância.

Em 1978, adviria o maior sucesso que obtiveram na lavra comum, "Sonho Meu", resultante de iniciativa da violonista Rosinha de Valença que, fazendo show com Dona Ivone, no Carinhoso, em Ipanema, levaria a música a Maria Bethania - de quem era produtora -, às voltas, então, com a conclusão de "Álibi", mais um elepê pela Philips.

"Sonho Meu" não só entrou no disco como também agregou à faixa respectiva a voz de outra baiana, Gal Costa, igualmente encantada ao conhecê-lo no estúdio no momento em que Bethania fazia a gravação. Uma consagração, de tão propagado pelo país, que, em particular, merecidamente, o ex-cortador de cana-de-açúcar Delcio Carvalho pôde usufruir, após tantos anos, até então, de perseverança no "métier", que o seduzira ainda em Campos dos Goytacazes, onde seu pai, na banda Lira de Apolo, era saxofonista.

Nessa cidade do Norte fluminense, onde nasceu, Delcio Carvalho, cantando, animou bailes, a exemplo de outro conterrâneo, Roberto Ribeiro, que também tomaria o rumo da capital para tentar a sorte diante do microfone. No Rio, chegando em 1956, o calouro Delcio passou por programas que "pescavam estrelas" - como um famoso, de Arnaldo Amaral, na Rádio Clube do Rio - e soltou a voz para alegrar noites em redutos associativos da Zona Norte - como o Tijuca Tênis Clube e o Grajaú Tênis Clube -, com ela só dando expansão fonográfica à beleza dos seus versos, em 1980, quando do lançamento do primeiro elepê, produzido pelo saudoso Luiz Roberto, baixista do conjunto Os Cariocas.

Com Dona Ivone, ainda, outra afinidade, além da motivada pela parceria: foi compositor de escola de samba. Doze anos na Imperatriz Leopoldinense, sem nunca, no "especial" da passarela, ter ouvido um samba seu na boca do povo. Essa outra consagração só viria, "em modo menor", pelo Grupo B, no carnaval de 1986, quando a briosa União de Vaz Lobo desfilou com o enredo A Festa do Castelo de Xangô, puxado por Eraldo Caê.  

Com participação da cantora Áurea Martins e da saxofonista Daniela Spielmann, na Sala Baden Powell, Delcio Carvalho fez show comemorativo de 55 anos de carreira. Cinquenta e cinco anos de profissão compositor e de exercício de um dom, burilado na simplicidade, que não se compra - o qual, ainda que isso fosse possível, ele não venderia, por fazer música com alma e coração.