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Da Vila Madalena a Varadero

Por Marcio Paschoal (*) - 25/01/2017

A cantora Fabiana Cozza dos Santos costuma ser erroneamente associada somente à cena paulistana do samba. Filha do puxador de samba da escola da Camisa Verde (Osvaldo dos Santos) ela não podia mesmo negar suas origens.

Desde seu disco de estreia, em 2004, “O samba é meu dom”, (...aprendi bater samba ao compasso do meu coração/de quadra, de enredo, de roda, na palma da mão...) de Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro, a moça já dava sinais de excelência.

Porém, sua arte segue ainda por outras vertentes. Depois de um tributo a Clara Nunes e um registro ao vivo (“Canto Sagrado”), Fabiana lançou em 2015, seu quinto trabalho em estúdio, “Partir”. Neste, a cantora pesquisa a música do Recôncavo baiano, com suas sutilezas e variações. A direção musical de Swami Jr privilegia o ornato simples, básico com bom gosto, deixando que se dê relevância ao timbre e à afinação da cantora. E ela faz jus ao tratamento, não à toa elogiada por Maria Bethânia: “você sempre canta bonito, usa com maestria seu timbre, alcance vocal, apuro nas notas, caprichosa na escolha dos músicos”. E das músicas também, acrescentaria, tomando como exemplos a ótima “Velhos da coroa”, de Sérgio Pererê, autor que merecia mais atenção, “Chicala” de João Cavalcanti, viagem às reminiscências angolanas, e duas do baiano Tiganá Santana “Le Mali chez la carte invisible” (O Mali no mapa invisível) ou “Mama Kalunga.” (eis-me aqui, serei eu a voz que nunca seja/já que a voz pode remeter são que não há).

Ouvi Fabiana pela primeira vez numa apresentação especial, durante a Balada Literária, do Marcelino Freire, em 2016. Era uma homenagem ao fantástico Bola de Nieve, o pianista, compositor e cantor cubano Ignácio Jacinto Villa Fernandez. Na apresentação, ao lado do pianista e maestro, também cubano, Pepe Cisneros, canções como “No me compreendes” e “Canción de la barca”. E ainda “Vete de mi”, de Virgilio e Homero Expósito. Mas a mais emocionante, sem dúvida, “Ay, amor”, um clássico do pianista. Bola foi um artista único, enfrentando não só os entraves da ditadura imposta, mas, sobretudo, o racismo e a homofobia. Tinha uma maneira bem particular e, ás vezes, passional de interpretação. Fabiana procura captar, e consegue, essa veia louca e rasgada de mostrar sua arte.

Seja na redescoberta dos ritmos baianos, no samba dos mestres ou dando vida e alma à obra de um dos mais respeitados artistas cubanos, Fabiana Cozza segue com toda a força e talento. Vale conferir.

(*) escritor, autor das biografias de João do Vale e Rogéria