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Canções Juninas

Por Daniel Brazil - 21/06/2007

Mês de junho é final de semestre, início de inverno, tem dia dos namorados, mas nada supera a importância das chamadas festas juninas. Quem é do Nordeste já sabe: A festa mais importante do ano. Nem o Carnaval é comemorado de ponta a ponta do país como as festas dedicadas a São João, São Pedro e Santo Antonio.

A tradição de comer e dançar em volta da fogueira foi introduzida pelos jesuítas, e se tornou elemento importante para a atração e catequização dos índios. E festa junina é movida a música, desde aquela época. O dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira registra que o clássico “Acordai, João” está transcrito no jornalzinho O Capuzeiro, de 1837, do padre Lopes Gama.

Se já era bom mercado de trabalho para os músicos, com a era do disco (e do rádio) o mês de junho passou a significar sucesso e dinheiro para os compositores populares. E não foram poucos os que se dedicaram com prazer à doce tarefa.

Assis Valente emplacou Cai, Cai Balão em 1933, desenvolvendo a quadrinha popular, interpretada por Francisco Alves e Carmen Miranda. O fato de serem as estrelas mais prestigiadas da época dá uma idéia da importância da coisa. Valente voltou ao tema em Olhando o Céu Todo Enfeitado e Mais Um Balão, sempre na voz de Chico Alves, porém sem o mesmo sucesso.

Braguinha foi outro craque junino. Aliás, difícil achar uma área musical onde ele não foi craque. Com o Bando dos Tangarás, também em 1933, já registrava uma Festa de São João, em duas partes, consignado na Odeon como “cena regional”. “Capelinha de Melão”, com o parceiro Alberto Ribeiro, aproveitando tema folclórico, é sucesso absoluto até hoje, em qualquer canto do Brasil. Em 1929 a dupla lançou, pela voz de Dalva de Oliveira, “Noite de Junho”. Ribeiro, aliás, é o criador da sempre cantada Sonho de Papel, de 1935

O balão vai subindo
Vem caindo a garoa
O céu é tão lindo
E a noite é tão boa

Lamartine Babo não ficou atrás. “Chegou a Hora da Fogueira” estourou nas rádios e quintais enbandeirados, novamente com a festeira Carmen Miranda, agora em companhia de Mário Reis. A divertida “Isto É Lá Com Santo Antônio” ressalta o lado irreverente do genial Lalá. Ele ainda faria Pistolões e Roda de Fogo, em parceria com Alcyr Pires Vermelho.

Ary Barroso não deixou a data passar em branco: registrou Sobe Meu Balão. De olho no sucesso, vários compositores se dedicaram ao tema, mas poucos foram tão felizes como Getulio Marinho e João B. Filho, autores de Pula a Fogueira. O flautista Benedito Lacerda também acertou no alvo da quermesse, com “Pedro, Antônio e João”, letra de Oswaldo Santiago. Nesse caso, são homônimos dos santos, e cometem pecados bem terrenos

Com a filha de João
Antônio ia se casar
Mas Pedro fugiu com a noiva
Na hora de ir pro altar.

O paulista José Maria de Abreu e o fluminense Francisco Matoso compuseram São João Há de Sorrir. Humberto Pinto e Kid Pepe são lembrados por Pra Meu São João. Mário Travassos e A. L. Pimentel anotam Fogueira de Meu Coração. Nássara e Orestes Barbosa, em momento mais contido, escrevem Meu São João, e Nássara ainda voltaria ao tema com Carneirinho. Roberto Martins e Evaldo Ruy chamam Rosa Maria para pular a fogueira. Herivelto Martins e Bide homenageiam os três patronos da festa com Santo Antonio, São Pedro e São João.

A tríade de santos juninos estourou mesmo no Norte, onde impera até hoje. E Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, como bom sanfoneiro, comandou muitas festas movidas a pipoca e quentão. Estreou em disco com A Véspera de São João, em 1941, uma valsa instrumental, e voltou ao tema várias vezes. A bela “Olha pro Céu”, parceria com José Fernandes, até hoje é regravada com sucesso:

Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo.
Olha praquele balão multicor
como no céu vai sumindo.

Há muitas quadrilhas e cirandas juninas na caudalosa produção do grande forrozeiro. Com o mesmo José Fernandes, compôs Noites de Junho de Antigamente. O disco que ilustra este artigo, de 1962, tem 12 faixas juninas, e fez tanto sucesso que três anos depois o Lua lançou Quadrilhas e Marchinhas Juninas, encontrável em CD. São muitos títulos comemorativos: São João Antigo, A Dança da Moda, São João do Carneirinho, São João no Arraiá... Também podemos citar São João na Roça e Noites Brasileiras (com Zé Dantas), Meu Araripe (com João Silva) e claro, Asa Branca, onde os versos de Humberto Teixeira não nos deixam esquecer que no sertão a terra arde “qual fogueira de São João”.

É bom lembrar que nem todas as canções que falam de festas juninas são canções juninas. Último Desejo, de Noel Rosa, jamais animaria um pátio de escola, assim como Festa Junina, de J. Cascata e Leonel Azevedo, ou o Chico Mulato (Raul Torres/ João Pacífico), que por causa de uma caboclinha chamada Tereza deixou o sertão sem São João.

Vários compositores contemporâneos fazem referências saudosas às festas juninas, mas não chegaram a compor sucessos de animar a quadrilha. Aliás, “Quadrilha” é o nome de uma engraçada canção de Francis Hime e Chico Buarque, trilha do filme A Noiva da Cidade, de 1978. Caetano criou um São João Xangô Menino, Gil lançou um CD forrozeiro dedicado à festa (São João Vivo), Tavinho Moura e Ronaldo Bastos fizeram a delicada Noites de Junho, Cazuza citou Alberto Ribeiro em Festa de São João.

Quem criou talvez o último grande sucesso junino foi Morais Moreira, com sua Festa do Interior, letra de Abel Silva. É tocada em ritmo de frevo, de marchinha, anima carnavais, mas também entrou para o repertório dos sanfoneiros que fazem a poeira levantar do chão nessa época do ano.

Seja como for, canção junina é que nem canção de carnaval: as antigas são sempre cantadas com alegria, e a festa não seria a mesma sem elas. E antes que alguém pergunte, a música mais tocada de todas não é nenhuma das citadas acima. Aquele tema que acompanha os casais enquanto alguém grita “olha a cobra!”, “olha a chuva!”, “anavantur” “anarriê!” e “changê de dama!” chama-se Festa na Roça, e é do ilustre sanfoneiro Mário Zan.