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Bocato, 40 anos de trombone

Por Daniel Brazil - 29/08/2007

A região do ABC paulista é terra de imigrantes, operários e bons músicos. Muito rock, rodas de samba, forte movimento punk. Orquestras sinfônicas e de viola caipira. Tem boas escolas e o cada vez mais notável Festival de Inverno de Paranapiacaba, com o melhor da música brasileira. Este ano, um dos destaques foi o trombonista Bocato, apresentando-se com sua banda. Não porque seja um típico filho da região, mas certamente porque é considerado um dos maiores trombonistas brasileiros.

Itacyr Bocato Jr. nasceu em S. Bernardo, no bairro Baeta Neves, há 47 anos. Aprendeu um pouco de violão em casa, mas a sonoridade dos metais o atraiu para a bandinha da escola estadual, com 7 anos incompletos. Após um semestre de teoria, se apresentou ao maestro Irineu querendo tocar trompete ou sax. Como não havia instrumentos disponíveis, teria de esperar mais seis meses “estudando teoria”. Pra sair tocando na banda, como ele diz, “trombou” com o trombone.

Nos anos 60, rara era a escola que não tinha a sua bandinha ou fanfarra. Bocato conviveu com grandes músicos de S. Bernardo que saltaram dos campeonatos escolares para o profissionalismo. Ele vai lembrando: “Nonô Camargo, Bangla, François, Gil trompete...”. Uma geração de feras, que marca forte presença até hoje em nossos palcos e estúdios.

Esta turma explodiu acompanhando Arrigo Barnabé, no histórico festival universitário da TV Cultura, em 1979. A quebradeira que eles promoviam no palco chamou a atenção do meio musical, e Bocato foi convidado para tocar com Elis Regina, no show Saudades do Brasil (1980). Daí pra frente, virou estrela do primeiro time: tocou na banda de Roberto Carlos, acompanhou vários astros da MPB, participou de orquestras e big bands. Grava constantemente com a nova geração, como Maria Rita, Simoninha e Jairzinho.

Mas Bocato é um experimentador, formado em composição e regência, e sempre desenvolveu o trabalho instrumental, solista ou em grupo. Em 1982 fundou a banda Metalurgia, com a qual arrebatou o título de disco instrumental do ano. Gravou discos no Brasil e no exterior, aperfeiçoando sua visão pessoal de música brasileira com improvisos jazzísticos. Em 1997 lançou o antológico “Tributo a Pixinguinha”, que apresentou em vários países da Europa, no ano do centenário do mestre. Morou um tempo na Europa, tocou no Festival de Montreaux, balançou a Suíça com o CD “Acid Samba”, acompanhou João Donato e Leny Andrade no Festival de Moscou.

De volta ao Brasil, gravou os primorosos “Antologia da Canção Brasileira vol. 1 e 2” (Maritaca, 2004), formando com a flautista Lea Freire, um dos grandes duos instrumentais desta década. Seu último trabalho autoral é “Cacique Cantareira” (Elo Music/ Trattore, 2006), onde desfia com sua banda um repertório inédito de alta octanagem.

Dominando todas as vertentes da música popular contemporânea, o homem não esgota seu estoque de surpresas. Como ele mesmo diz, na subtítulo do último CD: “Quebre tudo, mas toque certo!” Hoje Bocato mora novamente em S. Bernardo, no mesmo bairro onde nasceu, e comemora quatro décadas de casamento com o trombone. Uma união que começou sem querer, e acabou virando paixão eterna.