Artigos

Anaí Rosa convida...

Por Daniel Brazil - 08/02/2011

Não é fácil dividir categorias, quando se trata de samba. Há as óbvias, claro. Samba-canção, samba de roda, samba-enredo. Bossa nova, certamente (Tom Jobim confessou mais de uma vez que o que ele fazia era samba). E uma das mais difíceis de definir é o tal de samba de gafieira. Samba de baile. Samba de salão. Em tese, qualquer um dos gêneros acima pode virar samba de gafieira, dependendo do molho.

O ano de 2010 foi pródigo em lançamentos que retomam o mais característico gênero brasileiro. A safra de novos compositores e intérpretes que bordeia, firuleia e renova o samba é um fenômeno a ser avaliado com a peneira do tempo, daqui a alguns anos. Mas é inegável que releituras contemporâneas e aproximações com outros gêneros ampliam as possibilidades rítmicas e melódicas do campeão das gafieiras.

No Rio, o Tio Samba brilhou com o seu segundo CD, É Batata!, dedicado a Carmen Miranda. Em São Paulo a jovem banda Gafieira Paulista mostrou serviço em 2010. E, no finalzinho do ano, Anaí Rosa colocou na praça Samba Comigo (Tratore, 2010). Uma das vozes mais constantes da noite paulista nos últimos anos, com traquejo na música latino-caribenha e nos sucessos de incendiar os tacos do salão, a cantora põe os casais pra rodopiar no seu primeiro CD.

Anaí mescla obras de autores ilustres, como João Bosco, Geraldo Filme e Billy Blanco, com outros menos consagrados , como Jean e Paulo Garfunkel, César Brunetti, Sizão Machado, Fabrício Rosil e Lula Barbosa. Como se fosse uma nova Isaurinha (sem o sotaque italianado), domina o palco e interage com os músicos com a cancha de quem já viu muito baile romper a madrugada. O timbre não ajuda muito (quem agüenta ouvir cantoras de voz aguda por muito tempo?), mas a afinação e o balanço são impecáveis. Nas canções onde baixa o tom, como na delicada Sob o Encanto da Lua, chega perto da perfeição.

O time de músicos reunidos no disco é de tirar o chapéu. Os arranjos de Proveta estão entre o que de melhor já se produziu no gênero. O líder da Banda Mantiqueira sabe o que faz, e demonstra sua maestria de modo incontestável em sete canções. Comanda um belo naipe de sopros, com o auxílio luxuoso do trombone de Raul de Souza em duas faixas.

Zé Barbeiro, mestre do 7 cordas, toma conta das cordas e arranjos de base. O cavaquinhista Fabrício Rosil encaixa (e arranja) duas composições, João Poleto e Milton Mori comparecem fazendo bonito. No time de músicos, craques como Alessandro Penezzi, Toninho Ferragutti e Edson Alves adicionam outros temperos à metaleira dominante.

Anaí Rosa tem o poder de animar qualquer baile, com este elenco de apoio. E tem o mérito de não se prender aos clássicos infalíveis, arriscando peças de pouco conhecimento do público. Há bons novos sambas no CD, valorizados pelos belos arranjos, mas nota-se a dificuldade de encontrar bons letristas, descomplicados, diretos e originais. Jean Garfunkel é quem mais acerta. Os veteranos Aldir e Billy Blanco sobram nesse quesito, com folga.

Anaí não tem culpa disso, claro. Cumpre seu papel com competência, abrindo espaço para a rapaziada e colocando o povo pra sambar em fina companhia.