Revista Música Brasileira

À primeira audição, parece que estamos num daqueles filmes malucos do Emir Kusturica. Uma trilha sonora bizarra, com sonoridades do leste europeu, misturadas com escalas do Oriente Médio e ritmos africanos.

Mas quando entram os primeiros versos em português notamos que é mais uma estripulia do André Abujamra, exercitando sua musicalidade de alquimista no terceiro disco solo, Mafaro (Tratore, 2010). Se você acredita em tudo o que ele diz, Mafaro quer dizer “alegria”, no Zimbabwe. Vindo de alguém que já se apresentou como uma Mulher Negra, sempre é bom desconfiar.

O que podemos ter certeza é de que Abujamra utiliza sem pudor todos os tipos de sons imagináveis, num patchwork musical que sampleia e molda tudo como se fosse a trilha de um filme suprarealista da era digital. Nota-se que é apaixonado por imagens, e o fato de já ter composto premiadas trilhas de filmes e vídeos completa o quadro clínico. “O amor, esse é difícil”.

Depois de marcar época com o velho parceiro Maurício Pereira, Abujamra fundou o Karnak, uma banda-trupe que já funcionava como um Roto-Rooter musical planetário. Mafaro foi lançado com um show grandioso no Auditório Ibirapuera, em abril, com direito a projeção múltipla de um filme irreprodutível. Quem viu, viverá.

O CD foi gravado em vários estúdios, em várias situações, com vários parceiros. Tem a participação de Zeca Baleiro, de Luiz Caldas, de Curumim, de Xis, de Evandro Mesquita. E um bando de músicos de alto calibre, que interagem de forma coesa com os sons sintetizados por André. Suas letras, geralmente irônicas, abrem brechas para considerações filosóficas marcadas por uma poética toda própria: “O mundo de dentro da gente é maior do que o mundo de fora da gente”.

Temas africanos com naipes de cordas. Pregações de rua mixadas com ritmos eletrônicos. Coros tribais com guitarras. Samba de roda com rap. Sprechgesang com baião. Musicalidade borbulhante, brasileira e universal, derrubando porteiras. Quantos mundos cabem no Brasil?